Retenho da actualidade dos últimos dias uma notícia: os familiares das vítimas da queda da Ponte Hintze Ribeiro, em Entre-os-Rios, decidiram, por unanimidade, não apresentar queixa contra o Estado português pela incúria que levou ao desabamento da ponte, em 2001, arrastando para uma morte evitável 59 pessoas.
Mais do que a decisão, observo esta notícia com a mágoa sentida daqueles que perderam os "seus", mas noto, acima de tudo, a descrença absoluta na Justiça. De quem cerra os dentes de raiva e olha para o vazio, atado de pés e mãos.
O porta-voz da associação, que se constituiu a seguir à tragédia, deixou claro que ainda ponderaram pedir uma indemnização simbólica ao Estado, mas abandonaram essa possibilidade, simplesmente porque já não acreditam. Têm motivo para isso.
Na noite de 4 de Março de 2001 uma ponte rodoviária, importante elo de comunicação regional numa zona muito carecida de acessos, desabou como um castelo de cartas, arrastando para as águas do rio Douro um autocarro e três automóveis ligeiros. Na madrugada seguinte, o ministro das Obras Públicas, Jorge Coelho, anunciava a abertura do tradicional inquérito e a seguir demitia-se para que a culpa não morresse solteira.
Do resultado do inquérito, concluiu-se pela existência de muitas incúrias: o desassoreamento desenfreado do rio, a falta de vigilância e manutenção das estruturas e equipamentos rodoviários, o centralismo democrático que ignora as necessidades do País Real, o abandono total e absoluto de zonas economicamente deprimidas. O tribunal, em 2006, não imputou culpas a ninguém. E perante a decisão judicial assumiu-se a fatalidade que só costuma acontecer aos outros. Somos, de resto, o país das fatalidades e do encolher de ombros.
A tragédia virou os holofotes para Entre-os-Rios. A sua dimensão não podia ser escondida. Castelo de Paiva tornou-se quase o centro simbólico do País deprimido a quem era conferida uma nova oportunidade. A administração central piscou os olhos à câmara, incentivou a construção de estradas, apoiou a construção de escolas, a renovação de equipamentos. Para não deixar fugir a oportunidade, a câmara endividou-se mais do que podia, porque se não aproveitasse as condições vantajosas para rasgar outros caminhos, a população nunca mais os teria.
O balanço, volvidos sete anos, é angustiante. O Estado esqueceu o apoio psicológico às vítimas, a câmara -um dos maiores empregadores da região - está à beira da falência, sem possibilidade de gerar receitas próprias e completamente dependente das transferências do Orçamento de Estado, muitas das obras ficaram a meio porque os construtores não se governam com piscar de olhos.
Eu percebo o que os familiares das vítimas sentem quando baixam os braços e dizem ser pessoas de bem, por isso sabem quando parar. E fico a pensar na aplicação da Justiça diária, em casos bem mais comezinhos, mas onde é igual a impotência, a angústia e, por fim, o baixar de braços perante o moinho, que, na prática, é mesmo um gigante aterrorizador.
Feito o luto, importa agora proteger os vivos. E essa é talvez a mais angustiante manifestação de cidadania.