quinta-feira, maio 01, 2008

Lágrimas

Durante anos tive um conflito com as lágrimas. Simplesmente não conseguia chorar perante as coisas e as situações. A dor petrificava-me o sangue. Um nó apertava-se-me na garganta e nada, nenhum liquído, conseguia subir aos olhos. Pensava que se chorasse aceitava, e eu não queria aceitar.
Um acontecimento extraordinário na minha vida tudo alterou. A partir de então, dei por mim a chorar como uma Madalena por tudo e por nada. E sentia-me bem, menos tensa. Percebi, no entanto, que o caso estava a extrapolar o bom senso quando até a publicidade me comovia. Mas inaugurava uma sensação de alivio que a fúria de não conseguir chorar não me permitia atingir.
Hoje continuo a pensar que se chorar aceito e há coisas que eu não quero aceitar. Luto e combato quando penso que tenho razão. Esgoto-me, na mesma dimensão em que acredito.
Mas chega uma altura em que vejo de facto gigantes onde apenas estão moinhos insignificantes. E desisto. Não posso lutar mais. Não quero lutar mais, não me posso consumir nesta luta vã.
Percebo isso quando as lágrimas indisciplinadas me deslizam em silêncio pela cara.
Baixei os braços.

4 comentários:

Pisca disse...

Fazem tanta falta as lágrimas

Por experiencia própria, só acabam por vir fora de horas

Os homens também choram

Júlio Pêgo disse...

Exprimir organicamento os afectos, como seja o choro com lágrimas, é uma vantagem, um desanuveamento, uma espécie de catarse. Alivia e descarrega as emoções num restauro de energia e ânimo. Só que cognitivamente, pela cultura onde estamos inseridos, pensamos e estruturamos conceitos errados de certo ou errado, forte ou fraco, êxito ou derrota. Ora exprimir afectos, raiva, ódio, amor e lágrimas, faz-nos bem, "lava" a alma.
Júlio

Paula disse...

Também para baixar os braços é necessária muita coragem e, só mesmo assim, é possível recomeçar a acreditar.
Os moinhos insignificantes nos ajudam a dignificar os gigantes...

Paula disse...

Também para baixar os braços é necessária muita coragem e, só mesmo assim, é possível recomeçar a acreditar.
Os moinhos insignificantes ajudam-nos a dignificar os gigantes...