quarta-feira, setembro 26, 2007

Os pais como donos dos filhos

O Tribunal da Relação de Coimbra decidiu entregar a pequena Esmeralda ao seu pai biológico. É o remate (espera-se que não definitivo) da interpretação da lei de menores portuguesa que entende que os pais são donos dos filhos. É uma lei retrógada, aplicada de forma cega, por magistrados (a meio de carreira) que mostram não saber interpretar a lei dos afectos.
Atrasa-se a jurisprudência do direito português face à evolução social, muito mais preenchida do que esta decisão judicial. Atrasa-se à custa da vida, da segurança e dos afectos de uma criança de cinco anos, que irá crescer e avaliar aquilo que o Estado português lhe fez. Quer os desembargadores de Coimbra queiram, ou não, foram eles que tiraram uma criança feliz de uma família feliz. E isso é imperdoável

12 comentários:

Paula disse...

Tens toda a razão. É absurdo e absolutamente inconcebível esta coisa de retirar uma filha de criação aos pais e remetê-la para o biológico, para todos os efeitos um verdadeiro estranho. Ou também considerarão, de novo no reino do absurdo, que a genética determina a ligação entre pais e filhos? A garota, independentemente das razões da separação do pai biológico, vai sentir-se abandonada, desprotegida e entregue a um desconhecido... Homens de ciência, mas sem consciência...

Coca disse...

A falta de consciência é pior que a inconsciência. Muito pior.

nocas verde disse...

Ser biologicamente fértil não deveria ser condição única, primordial e essencial para a paternidade!! Isto é o que penso!
Bom dia!

Coca disse...

Mas é essa, lamentavelmente, a concepção filosófica do direito de menores português.

Ninas disse...

Uma decisão contrária seria premiar criminosos. E foram esses mesmos criminosos que criaram o alegado trauma da criança e deturparam a visão da realidade: só existem os bons e os maus.
Pois, só que os maus são eles, o tal casal que queria ficar com a criança.
Decisão contrária seria abrir a porta para as adopções completamente ilegais; só os ricos teriam dto a ter filhos e sempre q uma criança fosse raptada por 5 anos nunca mais poderia regressar à sua família biológica.
Não faz sentido
Essa gente merecia estar presa.
É inacreditável como um pai que há 4 anos pretende ficar com a filha não pode só porque alguém se acha superior.
O pai biológico só é um estranho para a filha porque esse casal escondeu todos estes anos a filha.

Coca disse...

Para jurista, Ninas, confesso que me decepciona a sua noção do direito e o preconceito que lhe está subjacente.
Enquanto pessoa, desilude-me porque me deixei iludir por um espírito bem mais progressista do que denotam estas suas palavras.
E até lhe digo que por todos os comentários que aqui tem deixado antes e por aquilo que vou lendo do que escreve, esta posição nem parece sua. Diga-me que foi apenas um acesso de mau humor...

Pisca disse...

Coca
Sei que provavelmente a vou desiludir, mas estou totalmente de acordo com a Nina (só hoje reparei no comentário).
Estamos perante o Portugal no seu melhor.
De uma "relação" ocasional nasce uma criança. A "Mãe" entrega-a com uma espécie de "declaração de Compra e Venda", só faltou a matricula, aliás os novos detentores logo a mudaram.
O Pai depois de confirmar que de facto o é, pretende ter a filha consigo, e os que receberam a criança, como a consideram "coisa sua" (está no acordão), entendem que nem pensar, acabou, não há leis não há direitos, apenas e só o que queremos "mai nada".
A Grunhice no seu melhor.
A confusão agora é total, especialmente para a criança, e brandindo O SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA, vai de se juntarem os do costume mais um Jurista à pressão, à procura dos seus 5m de glória na TV.
Ontem no Pros e COntras foi de ir às lágrimas, até a Fatinha berrava mais que o habitual.
Valeu tudo de violador a indigente para quem apenas quer fazer cumprir a lei.
Brilhante o Juiz que desmontou peça por peça as mais absurdas teorias,mais o Dr.Lobo Antunes de uma clareza tremenda.
Só uma pergunta e gostava que alguém me respondesse ?
Onde anda uma peça transmitida pela SIC, onde se indignava como é hábito, falando de um Pai que HÀ 4 ANOS tentava ver a filha que lhe era escondida ? (é da mesma pessoa que estamos a falar).
Que a máquina do estado tem culpas, claro que tem, mas há um nome laxismo para fazer cumprir uma ordem judicial, um laxismo de 4 ANOS.

Coca disse...

Continuo desiludida Pisca. E gostava já de lhe contar aqui alguma histórias do amor, dos afectos e da mercadoria com que o Estado parece encarar as nossas crianças. Vou fazê-lo, mas porque o assunto é demasiado sério não o quero fazer agora. Mas não concordo absolutamente nada consigo porque conheço, infelizmente de motu próprio, o desfecho que esta situação pode ter para o desenvolvimento desta criança. E é esse dever de prudência que o Estado deveria ter e, do meu ponto de vista, não teve com esta menina.

Pisca disse...

A lei é cega, ou deveria, ser, mas cada caso é um caso.
Porquê ninguém se preocupou com uma criança que tinha sido raptada, naturalmente foi devolvida aos Pais e ao muito me engano, mas dentro de anos estará a cozer sapatos à peça e trabalhar no campo, porque o folclore já passou à muito.
E pareceu-me tão evidente

Paula disse...

Alguém já ouviu a sábia máxima «parir é dor, criar é amor»?. A pequena Esmeralda tem pais, não criminosos; tem educadores que a deveriam proteger e mimar, não estar na prisão. Tão feliz que a miúda foi por ter quem lhe desse aquilo que ela mais precisou enquanto bebé e nos anos mais importantes da sua vida. Pouco me interessa saber que o pai biológico luta pela posse da criança há anos; o que interessa realmente é a vivência da Esmeralda, o afecto do abraço conhecido como seu desde sempre.
A adopção ou a tutela, para quem não sabe, são permitidas a toda a gente que consiga garantir as condições básicas emocionais e materiais. Lamento não falar de cor; é o meu caso.
Como sou optimista e acho que o mundo está cheio de equívocos, acho que as consciências só podem mesmo melhorar!

Ninas disse...

Pois, mas o pai biológico só não deu amor até hoje porque aqueles que consideraram a criança "coisa sua" não deixaram - e sem qualquer legitimidade.

Coca, não foi acesso de mau humor. É a minha opinião - formada pela vida pessoal e profissional.

Coca disse...

Ora Ninas, tenha lá paciência. Com a ressalva de quem apenas ouve e lê o que se vai dizendo e escrevendo sobre o assunto, ocorre-me desde logo uma perguntazinha...
Nesse ano em que o pai biológico duvidou da existência da criança como sua, como acha que esse bébé teria sobrevivido?
Pode condenar a mãe biológica por ter confiado a criança aos cuidados de uma família, sabendo que ela própria não tinha condições para a criar?
Já lhe ocorreu que se o papá biológico, na dúvida, tivesse assumido logo a sua paternidade - pelo menos até a questão oficial da paternidade estar decidida - a criança poderia ter ficado com a sua mãe biológica e hoje já não se colocaria o problema dos afectos. Não sabia ele que tinha tido relações sexuais com a outra senhora e que, com grau alto de probabilidade, a criança poderia mesmo ser sua? Preocupou-se então com essa eventualidade? Cuidou de saber ou até imaginar os reflexos que a sua determinação em não aceitar a paternidade pudessem ter no desenvolvimento daquela criança que até poderia ser mesmo sua?

Eu não contesto os direitos do pai biológico. Ou até os seus caprichos. E já agora também reconheço os mesmos direitos à mãe biológica. Mas o valor supremo que aqui está em causa é, de facto, o superior interesse da criança. E não me parece que o tribunal o esteja a acautelar quando decide mudar-lhe o espaço, os amigos e a família. A única que ela conhece. Provavelmente, ter-se-ia que encontrar aqui uma solução leonina que conciliasse o direito dos pais biológicos com o interesse da criança. (Afinal os únicos que à luz da lei não tem direitos, são mesmo os pais de afecto que, mesmo sabendo disso, se dispuseram a aceitar a criança, dela cuidadando como filha). Pois talvez. Mas daí a passar uma esponja pelo passado do pai biológico, parece-me cinismo e obstusidade a mais.

A familia dos afectos não raptou a criança. Como jurista, sabe que se houvesse crime aqui seria o de sequestro, porque que se saiba ninguém pediu resgaste.

Desculpe, Ninas, mas sinceramente nesta matéria fica-me tudo à flor da pele.