sexta-feira, abril 13, 2007

As universidades privadas, o diploma de Sócrates e os jornalistas

Quando, em 1999, três jornalistas do Diário de Notícias (DN), nos quais eu própria me incluía, investigaram o que se passava na Universidade Moderna (UM), foi escrito e falado sobre o que ocorria em outras universidades privadas, incluindo a Universidade Independente (UNI).
Nos meus arquivos estão ainda as cartas de protesto, que foram dadas à estampa no DN, mas também as muitas missivas anónimas que recebemos com denúncias de irregularidades, por ventura ilicitudes, que se passavam em vários estabelecimentos de ensino superior privado.
A actualidade veio dar razão ao que então escrevemos. E veio também mostrar, uma vez mais, porque houve tanta celeridade em calar as nossas vozes.
Assisto, agora, ao desenrolar de «informações» sobre a UnI, que são largamente ultrapassadas pela «importância» atribuída ao diploma do Primeiro-Ministro. Não sou apoiante de Sócrates, nem tão pouco votante no Partido Socialista, mas não deixo de ficar espantada com o facto de suspeições se terem tornado matéria noticiosa.
No caso da UM, primeiro obtínhamos as informações, tratávamo-las e, só depois de confirmadas, as publicávamos. Lembro-me, entre outros episódios, de termos ido ao Algarve confirmar algumas coisas…
Hoje, cada suspeita é uma notícia e Sócrates acaba por ser vítima de novos valores que, de algum modo, tem ajudado a construir.
O que é lamentável nesta Comunicação Social, tão atenta a levantar questões, é a leviandade com que (e foi assim que julgaram e condenaram os jornalistas do DN!) NÃO investigam o que se passa, desde há muitos anos, nas universidades privadas.
E não seria despiciente lembrar as suas origens, como surgiram, quem as fez e como e até o contexto histórico-político em que nasceram.

Recordemos: Em 1976 começaram a regressar a Portugal alguns dos professores saneados do Ensino Superior público no pós-revolução de Abril. A maioria tinha emigrado para o Brasil ou para Espanha, em busca da recuperação da vida académica. Todavia, aqueles países também já não eram o El Dorado e, por isso, muitos desses professores aproveitaram a «abertura» política do pós-25 de Novembro de 1975 para refazerem a vida em Portugal.
O poder estava, então, dividido entre a facção mais moderada dos militares de Abril e um Governo de centro-direita, dominado pelo PS de Mário Soares com o apoio do CDS de Freitas do Amaral, personalidades que apelavam à «reconciliação nacional».
Ainda que se pudesse pensar na reabilitação dos «saneados», os tempos não favoreciam a devolução de cátedras aos apoiantes do regime deposto.
A solução discreta para o crescente exército de professores universitários desempregados foi a criação do ensino superior privado, classificado por muitos como o «legado pobre que a revolução de Abril deixou à direita e à extrema-direita em resposta aos saneamentos».
A «inteligentia» do antigo regime tinha, ainda, outros planos: a coberto de projectos pedagógicos aparentemente inócuos reconstituíam vastos e influentes núcleos duros de «saudosistas» dos tempos de Salazar e Caetano, enquanto procuravam criar condições mais favoráveis ao seu próprio regresso aos centros de decisão. Recorrendo a uma ideia da esquerda – as cooperativas – foi possível planear estas novas universidades, acolhedoras dos defensores dos ideais da direita e abertas, ainda, aos interesses de organizações «secretas» como a Maçonaria e a Opus Dei. Também o dinheiro, escasso de início, começou a afluir em catadupa, quando milhares de estudantes se viram forçados a obter nas privadas os «canudos» que o numerus clausus das universidades públicas lhes negava.
Curiosamente, o Instituto António Sérgio, entidade competente para fiscalizar o sector cooperativo, nunca tomou nenhuma atitude contra o incumprimento das normas que deveriam reger estas cooperativas, que acabaram sempre por ser geridas como empresas privadas ou sociedades por quotas.

E hoje, diante do sucedido com a UM e a agora a UnI (entre outras que vão sendo faladas mais ou menos em segredo), continuam a ser levantadas questões a que ninguém responde e a capacidade de investigação dos jornalistas cinge-se a divulgar processos em tribunal, queixas na Procuradoria Geral da República, ou a levantar suspeições sobre situações de valor certo – mas seguramente menor – como o diploma do primeiro-ministro…

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