quarta-feira, abril 25, 2007

O homem parado no Inverno

Passaram quantos anos? 16, 17? Cruzámo-nos na via profissional e, ao primeiro olhar, percebemos a confiança que depositavamos um no outro. Eu estava a começar nos jornais, ele era um policia sénior. Vivamos um tempo difícil, como estes que atravessamos agora. Tantas estórias vivemos. Ele na frente das lutas pelo direito ao sindicalismo, pelo direito à dignidade da polícia, por melhores condições profissionais e eu na fiel descrição de uma realidade que afrontava o poder.
Mas havia mais, muito mais, entre nós. Uma cumplicidade que nasce das ideias, dos silencios e das palavras e nos tornava solidários e afectuosos. Uma cumplicidade tal que sabíamos sempre até onde poder ir. Foram anos de namoro cerrado. De charme. Ficámos amigos. Cruzámos as nossas famílias.
Vi os filhos dele crescer, assisti à sua separação e ao seu reencontro, amparei-o quando se perdeu nas escolhas da vida. Estive dos seu lado sempre, mesmo nos momentos em que quase o derrubei com palavras ou em que o vi tomar opções desastradas. Ele esteve comigo nos momentos mais dolorosos, de maior incerteza. Em Braga, na chegada e na partida.
Mesmo quando a mágoa foi maior, ambos sabíamos que o outro estaria ali. Comecei por lhe dizer que era o meu polícia preferido, e hoje ele sabe que é um dos homens da minha vida. Foi sempre.
Agora, quando me disse que vinha cá trazer-me os cravos vermelhos que não comprei, disse-me que tinha andado a fazer arrumações e encontrou um livro do Baptista Bastos. "Um homem parado no Inverno". O meu grande mestre Bastos. Sorri-lhe e ele viu o sorriso da minha memória pelo telefone. "E sabes o que tinha na contra-capa: 'Para que nunca sejas um homem parado no Inverno. Dezembro de 1991'.
Nunca serás, Manel.

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