segunda-feira, julho 23, 2007

O dever de protecção de um pai

Um pai "porreiraço" decidiu levar o filho de 10 anos às tradicionais festas de San Firmin, caracterizadas pela célebre largada de touros pelas ruas da na cidade espanhola de Pamplona.
Um repórter fotográfico do El Mundo fixou na objectiva a imagem de pai e filho a correrem à frente de um touro. A foto correu mundo. A mãe do menor não gostou do que viu e denunciou a atitude irresponsável do pai, a quem a lei confere poderes especiais de protecção do filho, até aos 18 anos.
As autoridades deram razão à mãe e proibiram o pai de se aproximar do menor (que passava férias com ele), por considerarem que o pai não salvaguardou os superiores interesses da criança, expondo-a desnecessariamente a uma situação de perigo - As festas de Pamplona terminam, normalmente, com um rasto de feridos e mortos (nos últimos anos contabilizaram-se 13 mortos).

Hoje leio nos jornais que apesar de condenado por violação do seu dever de prudência, enquanto progenitor, o pai da criança foi agora recebido como um herói pelos convivas de Pamplona, que o homenagearam com vivas num estádio qualquer.
Perante isto, nada, mas mesmo nada, me pode já surpreender.

6 comentários:

Pisca disse...

Gostar de Corridas de Toiros é algo que não discuto e recuso, mesmo que provocado.

Acho que se gosta ou não.

Por questões de origem que talvez um dia conte, e também de familia, cresci a ver touradas e com o gosto de procurar entende-las.

Isto não me impede de achar perfeitamente aberrante e de uma inconsciencia total, levar uma criança para uma festa daquelas onde para além dos animais, há toda uma mole humana em louca correria.

E pior ainda o tal ser considerado "heroi", não é por ser dos toiros, se fosse com carros seria igual, por exemplo.

Alguém da minha familia, que viveu largos anos dentro de uma ganaderia sempre me disse isto:

"Olha isto dos toiros é tudo muito giro até a gente ver os caracolinhos da testa"

Para quem não sabe, estão lá bem no meio dos cornos, e são bem pequeninos.

Imaginem a distância para os ver, ao vivo claro !

Ninas disse...

Eu já não me surpreendo

Boa noite

Júlio Pêgo disse...

A sociedade tem em si uma irracionalidade, por vezes camuflada, por vezes visível. No contraponto da lei vigente existe a transgressão e glorificação, tanto mais perigosa se enquadrada numa microcultura que apela ao nosso inconsciente animal.Esse homem mergulhou no ambiente da "horda primitiva" onde o papel protector de pai é inexistente. Dá para pensar, o porquê ainda da existência destas manifestações cretenses, do domínio do homem sobre o touro animal, no fio da navalha, no risco e atracção da morte.
Júlio

Coca disse...

Pisca: Detesto touradas. E nem a célebre máxima do desafio do homem sobre o animal me faz mudar de opinião. As regras estão viciadas e, portanto, não há desafio nenhum, a não ser um cenário de decadência e humilhação do animal, com o qual não posso pactuar.
Mas habituei-me a respeitar e a tentar perceber tradições ancestrais que ainda hoje são mantidas em muitos lugares e que passam pelas touradas. Com o meu amigo Pedro Ferro obriguei-me a respeitar as tradições de Barrancos, por muito que isso colida com os meus princípios. Dizia-lhe que Barrancos era um desafio à minha tolerância democrática e ainda hoje penso assim. Sei que, naturalmente, tradições como a dos touros de morte vão acabar por exigência dos povos, cada mais mais sensibilizados para os direitos dos animais. É um valor civilizacional. Mas tudo precisa de um tempo.
O que se passou em Pamplona não tem a ver com as tourada. É mesmo a uma cultura de desresponsabilização que, se calhar, só vem demonstrar que a minha visão optimista dos valores civilizacionais ainda vai demorar muito tempo a chegar.

Coca disse...

Voltamos a concordar, Ninas. Mas eu ainda luto por me indignar com estas coisas.

Coca disse...

Júlio,
Absolutamente de acordo. Por muito que me esforce não consigo perceber o risco desnecessário, sobretudo infligido a terceiros. Já percebo melhor a reacção grupal, qual libertação dos monstros que todos guardamos carinhosamente dentro de nós. Por isso evito as manifestações de massas, para me proteger de mim própria, provavelmente. É incrivel o que conseguimos fazer em grupo, não é?