segunda-feira, julho 02, 2007

Um dia no hospital

Domingo. 10h30. Um familiar meu sente-se mal e levo-o à urgência de S. José. É um doente oncológico, com um quadro clínico de infecção urinária grave.
Explico isso na admissão de doentes, manifestamente sobrelotada, na maioria dos casos ainda com reminisciências da noite de sábado.
11h. Chamada para a Triagem. Confirmado o pré-diagnostico que tinha apresentado e doente encaminhado para cirurgia.
11h15 Chamada para a Consulta. Médico atencioso e cuidadoso, percebe a gravidade do problema, prescreve análises de sangue e urina para confirmar o grau da infecção. Teríamos de esperar hora se meia pelo resultado. À uma da tarde estaríamos despachados.
Aguardamos na sala de espera, onde se acumula toda a espécie de doentes: velhinhos sem companhia, bêbados em ressaca, indisposições, entre outros. Uma pequena divisão para as crianças, vazia de brinquedos e, felizmente, de meninos, confere um ambiente de non sense a todo o espaço, onde uma televisão vai debitando programas de entretenimento.
Temos fome. Na máquina de comida rápida, as sandes e os bolos tem um aspecto de provocar uma gastrite a quem olhar para elas. Optámos por um chocolate embalado.
13h Como não houve qualquer contacto, vou ao gabinete de urgência e apercebo-me que o meu familiar tem apenas uma pessoa à sua frente.
14h Não há chamadas para aquele gabinete há mais de uma hora. Insisto com a funcionária do gabinete de apoio ao doente para me informar sobre o que se passa.
14h10 A funcionária volta do gabinete médico e diz-me que as chamadas estão um pouco atrasadas porque os médicos foram almoçar.
15h Recomeçam as chamadas para o gabinete de cirurgia.
15h30h O meu familiar é chamado. Médico pede repetição urgente de um tipo de análise.
16.15h O meu familiar é de novo chamado à consulta e recebe ordem de internamento imediato devido a uma infecção urinária muito grave, com possível falência de um rim.
16h45 Abandono finalmente o hospital.
Por mais vezes que seja confrontada com o sistema nacional de saúde, acho que nunca vou aceitar esta forma de funcionamento. E não me digam que é o sistema, porque o sistema é feito por pessoas. Custava muito ao médico (por exemplo) informar os doentes em espera da hora prevísivel de atendimento, tendo em conta o seu necessário almoço? É que quem está fragilizado, mais fragilizado fica por se encontrar num ambiente hospitalar, sem conforto, sem informação e sem comida. Não é admissível que os hospitais continuem a funcionar como depósitos administrativos de tratamento de doenças. Basta! É preciso outra lógica nos cuidados de saúde, sejam eles urgentes ou não.

6 comentários:

Ninas disse...

Infelizmente, os meus problemas renais já me causaram (e causam) grandes dores de cabeça.
Felizmente, tenho a possibilidade de usufruir de um sistema privado e numa situação em todo semelhante a essa demorei 5 minutos a ser atendida (desde que cheguei ás urgências até ser vista por um médico) e fui imediatamente internada até ao resultado dos exames. E internada continuei por 3 dias ...

É uma pena o sistema necional de saúde não ser assim ...

Júlio Pêgo disse...

Descreve muito bem a situação do Banco de Urgência. Lamentàvelmente, a situação repete-se e, o sofrimento quer do doente quer dos acompanhantes, é uma constante. O sistema trabalha com pessoas mas, a formação humanística pressuposta tem muito a desejar. A herança histórica "do hospital só para os pobres" ainda não foi ultrapassada. No entanto, pelo que relatou, já algo está para melhor... Tenho uma memória de uma situação de urgência, em Castelo Branco, há cerca de dez anos, que se a contasse, parecia estarmos nos primórdios hospitalares das "leprosarias"
Júlio

Coca disse...

O que me enfurece, Ninas, é o sistema público ser assim. Já não é despersonalizado apenas, é desumano. Talvez seja para marcar a diferença em relação ao privado, mas também lhe digo que no privado também já passei por uma situação semelhante. Acho que é mesmo uma questão cultural, também. E quando se fala tanto em qualificação, talvez fosse bom começarmos pelos bancos da escola.
Fiquei preocupada com os seus problemas renais. Sabe que os meus amigos de medicina tradicional chinesa situam o rim, na raíz individual. Não sei se isto para si faz algum sentido.

Coca disse...

Caro Júlio, há 11 anos fui operada, por escolha própria, naquele que era considerado (ainda é, penso eu) o pior hospital do País - S. Marcos, em Braga. E constatei lá que era mesmo assim. Nunca vi uma urgência como a de S. Marcos, mas não imagina a diferença que senti no serviço de neurocirurgia onde estive internada. Parecia que estava noutro hospital e nunca poderei transmitir a minha gratidão com a equipa de médicos, enfermeiros e de pessoal auxiliar que ali me acompanhou, sempre com afecto, atenção e carinho que parecia não existir em mais lado nenhum do quinto piso para baixo. Por isso acho que a justificação não está apenas nos serviços, mas começa sempre nas pessoas.

Pisca disse...

Lamento o sucedido e espero que tudo se possa compôr o melhor possível.
Há uma "cultura" que se reflete no comportamento quotidiano em geral.
Sempre que alguém tem algum "pequeno poder" acaba por o tornar discricionário, quem de nós não teve já que esperar horas a fio, que "alguém" se dignasse a atender-nos, só porque sim.
Fazer esperar os outros, é algo que sublima função no entender dessas mentes. Porque acham que têm poder, estão dispensados de dar explicações aos outros, desde que sejam utentes.
É tão comum, que quando encontramos alguém que não actua assim, parece-nos que chegámos ao melhor dos mundos.
Não há formação, novas oportunidades e o mais que inventem que resolva o problema da cretinice.
Há coisas que se aprendem entre os 4 e os 12 anos, educação e respeito pelos outros
Depois não há verniz que cubra ou disfarce

Coca disse...

Onde é que eu assino, Pisca?
Quanto ao meu familiar infelizmente o cenário não é nada bom. Temos esperança e é o que nos resta.