segunda-feira, maio 28, 2007

Declaração de amor

Tenho pena de não votar em Lisboa. Da minha cidade separam-me 500 metros de chão. Meio quilómetro que, administrativamente, me expulsou da minha terra. Vivo numa ficção jurídico-administrativa chamada Parque das Nações. A minha câmara, aquela que me dá água e me trata do lixo, que organizou o meu bairro e pavimenta as minhas ruas, que cuida dos meus espaços verdes, é uma empresa pública: a Parque Expo. Mas eu não tenho uma palavra a dizer sobre os seus órgãos, eu não escolho os meus representantes nessa empresa.
Para não me cercear de direitos cívicos, o Estado dividiu o meu bairro ao meio e disse que dois terços eram Lisboa e o terço restante já era Loures. E nessa fronteira, feita a giz no traço do planeamento, eu fui saneada da minha cidade. Escolho, por isso, os meus representantes municipais em Loures, concelho onde me sinto estrangeira.
Até abandonar o ninho familiar sempre vivi na zona oriental de Lisboa. Habituei-me a olhar o Tejo por entre as frechas dos contentores. Cresci às portas de um bairro rico e bonito, mas numa zona pobre e degradada, nos anos em que a cidade se tinha esquecido do seu lado oriental. Do Beato, de Marvila, dos Olivais, onde se acumulava o lixo que a cidade não queria ver.
Mas amava-a, sempre a amei, talvez pela beleza suprema daquela visão do Tejo, espraíando-se sobre o Mar da Palha.
Estudei e trabalhei sempre em Lisboa e foi em Lisboa que me fiz gente.
Esta é a minha terra. E eu sinto-me escorraçada por não poder escolher os meus representantes. Porque é em Lisboa que trabalho e que faço vida. É nas ruas de Lisboa que eu circulo, de transporte ou automóvel. Todos os dias. Mas pago IMI e imposto automóvel a Loures. Pago água à Parque Expo (a mais cara do País do lado de Loures).
Podem-me obrigar a pertencer a outros, mas as minhas raízes não pertencem a Loures. O meu coração ama Lisboa.
Percebia melhor não votar em Lisboa se pudesse votar para uma Area Metropolitana, digna desse nome, com órgãos eleitos. Porque sem viver na Cidade (por culpa da tal ficção jurídica) sentia-me compensada por viver na Região. Essa palavra que tanto medos e tanta hipocrisia desperta em tanta gente.

6 comentários:

Ninas disse...

Lisboa é Lisboa.
Acabo de chegar do Norte.
Estava cheia de saudades :)

Também me custa não votar por Lisboa

Coca disse...

Por muito boas que sejam as viagens, é sempre bom o regresso ao nosso espaço. Sinta-se em casa.

Jorge N. disse...

Resta talvez (entre outras) a compensação de "votar" com os textos aqui deixados.Abraços.

TG disse...

Percebo o que dizes. Quando vivi no concelho de Cascais sempre tive pena de não poder votar em Lisboa, concelho ao qual me senti realmente sempre ligado. Nunca estive ligado a Cascais e pouco me importava com o que lá se passava. Vim viver para o centro de Lisboa e este ano já votarei para a minha cidade. Concordo com a criação de uma Área Metropolitana de Lisboa a sério ou uma Região da Grande Lisboa que iria de Setúbal a Mafra. E com órgãos democraticamente eleitos, como acontece nos países normais...

Coca disse...

Jardinando, são apenas os seus olhos habituados a lidar com as flores. Gosto muito de o ter por cá. Um abraço.

Coca disse...

TG, és um sortudo por votar em Lisboa. Mas vê se votas bem, sem medo de desperdiçares o voto (prepara-te para o discurso do voto útil...) Quanto ao resto - e descontando essa mancha na tua existência que te leva a crer seres do Benfica - sabes que é por isso que te adoro. (Poderás sempre mudar, para cores de esperança, mais verdes, por exemplo). Bjs.